quinta-feira, 5 de junho de 2008

A queca




Sabem o que me chateia?
É esta "nacionalite" em torno da nossa selecção, e de Cristiano Ronaldo.

São horas e horas de programas com toques, encontros, cumprimentos, reportagens sem assunto e, imagine-se até, transmissões directas de treinos, e jogos dos amigos do Figo e de antigas glórias com as “donas Glórias” do povo que concorrem a concursos de caricas.

Ser jornalista é não vestir a camisola.
Ser jornalista pressupõe ser factual e ser apenas o veículo transmissor do acontecimento e não fazer parte dele ou opinar sobre ele.
A informação deve ser objectiva.

Vemos, no entanto, os nossos queridos jornalistas de camisolas vestidas, cachecóis ao pescoço, aos pulos, e quase a babar quando falam com os jogadores, especialmente se se chamar Cristiano e Ronaldo.

É isso a que temos assistido, mas também acho que neste país é pecado falar mal da selecção.
Falar mal de Scolari, Gilberto Madaíl, ou outra criatura da federação é tolerado. Falar mal dos políticos e das mães deles é lana caprina.
O povo é sereno e tolera que se diga qualquer coisa destes senhores, que serão, certamente, cruxificados se a selecção falhar. É assim tipo uma preparação para o corredor da morte.
No caso de Scolari uma preparação para abraçar definitivamente a vida de vinicultor patrocinado pelo banco da nação.
Agora, falar mal de qualquer jogador, isso não! Isso é pecado.

Eu quase levei com duas mãos cheias de dedos, só porque disse que talvez, sublinho talvez, o Nuno Gomes e o Petit devessem ter ficado a ver o europeu num ecrã gigante da capital.
Mas que coisa fui eu fazer!
Cometi uma tamanha transgressão, quase de preceito religioso, que aquela boca ficou virada para mim espumando salpicos de saliva em cada duas de três palavras articuladas, quase em simultâneo com movimentos bruscos dos braços para cima e para baixo em ritmo repetitivo e cadenciado.

É estranha esta coisa que nos leva a este efeito de temeridade de um momento para o outro. Mas o mais intrigante é que tal como vem, esta...chamemos-lhe audácia excessiva, assim vai embora e passa sem mais nem menos.
Salvou-me da bofetada o facto de o meu interlocutor ser meu amigo e, creio também, o facto de ele olhar para mim e pensar: “Este tipo não percebe nada de futebol, coitado”.

Mas, como é habitual, não era disto que eu queria falar.
O que eu queria levar os meus amigos a pensar hoje, tem a ver com o facto de estarmos a levar de cinco em cinco minutos, seja qual for o canal, com o Cristiano Ronaldo a dar toques na bola, a rir-se, a sorrir, a contar a história desde pequenino, admiro-me até de ainda não ter aparecido o vídeo das primeiras ecografias no ventre materno.
São horas e horas de entrevistas a ele, às irmãs, à mãe, aos tios, aos vizinhos, às mulheres dos vizinhos, às amantes dos vizinhos, e até aos maridos das amantes dos vizinhos.
Estou farto! Já não aguento mais!

Sim eu sei que ele é o melhor para as mulheres, é o melhor jogador do mundo, que não tem um cão, que tem uma piscina fantástica, que andou, anda, ou vai andar, com uma tipa que é um monumento internacional, que tem bons carros e uma espécie de “piercing” num dente, “and so one....and so one...”

É que: Já não dá mais!

A seguir vão fazer o quê?
Filmar e entrevistar o Ronaldo a dar uma queca?
Depois, pergunto-me qual o papel dos jornalistas neste caso?
Vai com o microfone em riste e zás:
-“Ronaldo, em directo e exclusivo para a TVI, esta forma de dar quecas é uma coisa que envolve muito treino, imagino? ”
Ao que o jogador assevera:
-“Não! Penso que todas as quecas são importantes, eu estou aqui para dar o meu melhor, é para isso que trabalho todos os dias, e o mais importante é que a pequena fique satisfeita.”
Haja paciência!
Ah!...e ainda acho que o Nuno Gomes e o Petit deviam, pelo menos para o bem de todos, ter perdido o avião.

2 comentários:

Francisco o Pensador disse...

Victor, roubastes-me o tema de hoje...hehehe..
Concordo em absoluto contigo (já vai se tornando habitual) a respeito do trabalho desenvolvido pelos jornalistas.
farto-me de dizer que hoje já não se faz jornalismo, é sobretudo impressionismo.
Perceberam que o povo Português, (Apesar de pertencer a CEE, da educação e dos meios de informação) continua a ser majoritariamente composto por uma cambada de pasmados facilmente impressionaveis....e tratam-nos como os ignorantes que somos!

Já faz bem uns 10 anos que SÓ o futebol interessa aos portugueses.
Antigamente era os 3 "F" (Futebol, Fado e Fátima) mas como a Amália já morreu e a Basilica de 80 milhões de euros também não consegue fazer a malta interessar-se pela Biblia....lá sobrou o Futebol.
O único que ainda consegue trazer alegrias aos portugueses....

E a Vanessa Fernandes, pois claro!

Sobre o Cristiano Ronaldo,é normal este exagero...A juventude gosta de associar-se a gente Vencedora/Campeões/Hérois e na ausência deles a tendência é idolatrar o que há de mais parecido com esse conceito, mas ainda assim só gostaria de ver um dia a SIC fazer-lhe algumas perguntas e ele responder que só aceita perguntas em Espanhol...

Victor Cardoso disse...

O que se passa om este tipo de jornalismo é um fenómeno importado da América Latina que, na minha opinião, se deveria a chamar América "Latrina".
Ou seja é a "Latrinisse" do Jornalismo actual, se bem que muitos dos que o fazem, são obrigados pelas cabeças mandantes das estações, onde o que reina é o lucro e o share. Muitos dos jornalistas vivem hoje na precariedade de um emprego que de seguro e livre só tem o facto de se poder ser despedido no minuto seguinte.
Não quero dizer com isto que os jornalistas são uns coitadinhos...não! Muitos dos que vemos e ouvimos são mesmo assim, mas uma grande parte, talvez a maior e mais mediática são uns seres que se julgam superiores, e com isso convencem-se que são as estrelas e põem de lado toda a deontologia profissional.