
Há pouco.
Muito “há pouco”.
Tive a oportunidade de assistir a um teatro dos mais novos.
Não! Não estou a falar da arte nova, da nova filosofia do teatro, dum tipo sozinho no palco durante três horas a narrar o inenarrável. Não! Nada disso.
Estou a falar de um teatro feito por crianças na escola.
Aquelas cenas do fim de ano a que todos os pais têm de assistir pelo menos uma vez na vida. É, assim, como ir a Meca para os muçulmanos.
Sabem que mais?
Meu Deus!..
Coitadas das criancinhas.
Eu penso que quem tem filhos, tem, por norma, gosto neles, e quer que eles tenham o melhor, que comam o melhor, que durmam o melhor, que falem o melhor, que brinquem com o melhor, e por aí fora....
Mas o pior de tudo é que, quem tem filhos, teima em ver no seu rebento o melhor de todos.
É natural, defendem todos.
Mas temos de pensar que o nosso filho pode não ter assim tanto jeito para coisa.
Uns nascem para serem jogadores de futebol, outros para serem primeiros ministros, outros até para serem médicos e doutores de qualquer coisa, e outros para não serem nada disto.
Já pensaram que o vosso filho pode querer ser apenas um funcionário de uma lavandaria ou um empregado de café?
E não ter jeitinho nenhum para actor ou bailarino.
Como diz o povo cada um é para o que nasce.
Vamos, de uma vez por todas, acabar com o estúpido vício dos teatrinhos e espectáculos escolares.
É que já não se aguenta!
E depois os finais de ano lectivo são sempre assim, uma seca.
São as criancinhas, quase em estado letárgico, a tentar articular uma mão cheia de frases, sem vírgulas ou pontos finais, que resultam em trinta e tal minutos de tal maneira enfadonhos, que os filmes do Oliveira ao pé disto, são autênticas obras cinematográficas de acção.
Mas os pais acham piada.
A quê?!
Só se for às cores?
As vozes e o texto quase não se ouvem, ninguém tem a noção que sem microfones e amplificação é difícil fazer-se ouvir numa sala, com pais, irmãos, avós, tios, professores, e outros aos berros durante toda a peça.
Ok! Pelo menos vê-se, dizem vocês.
Não! Também não é verdade.
Ninguém consegue ver nada com tantos paizinhos à frente do palco a filmar e a tirar fotografias, com os meninos a dizer adeus em plena actuação.
E eu nem máquina trouxe, para não ter depois de massacrar alguém com o filme ou com as fotos do pequeno. Para não fazer aos outros o que não gosto que me façam a mim.
“Ó Rute! Ó Rute, tu não ouves? Vira-te para aqui, p’ra te tirar uma foto, carago!”
A Rute vira-se e entra um professor em palco, muito aflito, a tentar desviar a actriz da tentação da foto para o papá.
Estão a imaginar se isto acontecesse, por exemplo no Rivoli, a meio de um Brecht, um parente dizer: "Ó Eunice Munhoz, importas-te de te virar um bocadinho para aqui? E, vá lá, um, dois, três, e...olha o passarinho".
Os pais ainda não compreenderam que não, não gostamos nada de ver uma hora e tal de filme com a sua criancinha a brincar no quarto com o mesmo boneco, ou com as festas de final de ano lectivo.
Tomem isto como uma regra para manter uma amizade.
Ninguém aguenta os filmes dos aniverários, festas, férias, natal e casamentos.
Nós só dizemos que sim, porque fica mal rejeitar. Entendem?
Tem calma Victor já só faltam mais dois ou três quadros, até aparecer a turma do teu filho.
-“É que isto está demais, já nem se respira aqui. Isto deve fazer mal aos pequenitos, não?” Pergunto eu na minha ingenuidade.
-“Ó senhor tenha mas é juizinho, não vê que isto é uma festa?”
Diz uma senhora quase a mandar-me um estalo com aqueles sete quilos de mão.
“Pois, pois....uma festa.”
Sabem que eu descobri que demora mais a passagem de uma turma para outra no palco, do que aquilo que eles realmente lá vão fazer?
Eu explico.
O primeiro ano acabou de se apresentar.
São quinze minutos contados e contadinhos até que o segundo ano suba ao palco, para lá estar quatro minutitos a dançar uma dança esquisita. Deve ser destas novas coreografias com movimentos individualistas, acho eu, pelo menos nenhum deles consegue imitar a professora, que em gestos cujas dimensões excedem o natural tenta, a todo o custo, marcar o ritmo e os passos da música.
E o puto que nunca mais chega.
“Ainda faltará muito?” Pergunto eu.
“Não sei o programa já foi todo alterado”.
Ah!?
Isto tem um programa?!..
Quer dizer que houve alguém que planeou isto tudo?
Quer dizer que tudo isto é de propósito?
Afinal, sou só eu!
Desculpem eu é que não entendo nada de arte infantil.
Ia sugerir para o ano uma sardinhada, caldo verde e umas bejecas para encerrar o ano lectivo.
Mas acho melhor não.
Afinal como é que os pais iam encher as cassetes de vídeo, que nunca ninguém vai ver, e os cartões das máquinas fotográficas?